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De Davos a Adis Abeba


Os trajectos de Luanda a Davos e a Adis Abeba revelaram o triângulo da nossa diplomacia económica, um dos pilares de fé da nossa actual governação. De um lado o supermercado mundial do pronto a investir, do outro a lista de compras mais necessárias de África. Com um pé em Davos e o outro na capital da Etiópia, o Presidente da República apresentou-se como o homem novo, aquele que quer fazer a diferença e virar o estado de coisas, tanto no seu país, como no continente. A percepção geral dos detentores mais importantes do capital mundial foi ao encontro da imagem apresentada, tendo o Presidente da República acentuado a importância do crescente e rápido acesso à energia como a chave para desencadear a próxima onda do desenvolvimento continental. Angola com o seu impressionante potencial hídrico e petrolífero não podia deixar escapar esta oportunidade de se mostrar como o elo mais forte de uma cadeia de investimentos capazes de mudar o actual panorama de marasmo africano. O estilo de sobriedade, seriedade e até de alguma austeridade que dá o tom ao programa de relançamento da economia angolana compuseram o quadro que teve já os seus primeiros reflexos na imprensa internacional. Já em Adis Abeba, o Presidente da República apenas teve que limitar-se a vincar como o programa de reforma em agenda na União Africana está em perfeita consonância com o seu programa de governo para Angola, a começar pela luta contra a corrupção e a conquista da tão desejada credibilidade que tarda em se afirmar.

Em Davos como em Adis Abeba, a força motriz é o compromisso com o progresso social e a democracia, elegendo como principais inimigos a incompetência e a corrupção. A União Africana que nasceu da luta contra o colonialismo – no único país do nosso continente que não foi colónia – perfila-se agora para o combate contra o mesmo mal e dominação escondidos atrás de outros disfarces. Como se os demónios que nos têm afligido apenas tivessem despido a farda de colonizadores para vestir a indumentária de poderosos amigos e homens de negócios. Faz aqui sentido o imperativo de Donald Trump insistindo até à exaustão no seu America first. Como ele disse em Davos, cada país deve assumir o mesmo desígnio relativamente ao seu próprio país. Efectivamente, se cada um puser o interesse nacional em primeiro lugar, há-de encontrar-se uma forma de todos se entenderem, sem sucumbir a pressões ilícitas trocando o interesse nacional pelo interesse alheio. Ou confundindo o interesse nacional com o próprio interesse pessoal dos governantes, como vimos acontecer até onde era menos de esperar, noutro país de língua portuguesa com laços tão importantes e sensíveis com Angola. Acontece infelizmente com muitos governantes, genuinamente movidos pelo interesse público, deixarem-se envolver na teia maliciosa de grandes investidores que de tal modo passam a admirar até ao ponto de secretamente desejarem ser tão “grandes” como eles. É claro que tudo isso é uma esparrela de mil demónios mas de que as suas vítimas apenas se darão conta quando for terrivelmente tarde de mais para corrigir o mal feito.

A estratégia política do Presidente da República assenta, assim, no seu próprio capital de confiança pessoal, no estilo de acção que propõe como modelo para todos os que exercem funções de Estado e assina por baixo um monumental cheque em branco remetendo a sua provisão para o êxito de uma governação exemplar. É uma aposta que exclui à partida o deslumbramento dos seus auxiliares ou a sua menor habilidade de gestão dos negócios públicos. Esperamos todos que assim seja e não se repita em Angola o mau exemplo do Brasil. Neste grande país, nosso vizinho da América do Sul, apesar do aparente sucesso dos governos do PT (dois mandatos de Inácio Lula da Silva e um e meio de Dilma Roussef) sabe-se agora que uma grande parte dos dinheiros que deviam dar entrada nos cofres do Estado foram canalizados para vários sorvedouros de natureza privada e sigilosa. Não obstante, durante mais de uma década, a pobreza diminuiu significativamente no Brasil e pelo menos 30 milhões de brasileiros puderam respirar melhor contando-se, naturalmente, entre os que se preparam para votar em quem lhes proporcionou a escapatória da ainda esmagadora miséria brasileira. Um sucesso que também se deveu graças ao preço elevado do petróleo até 2010 e da venda de matérias primas para a China. Contudo, o Brasil está hoje a contas com a sua Justiça e só Deus sabe o que vai acontecer ao longo de 2018, um ano em que o preço do ouro negro dá alguns sinais animadores de recuperação. O difícil agora é distribuir mais benefícios do que os actuais recursos financeiros proporcionam. Programas como o bolsa família, que permite dotar os aglomerados familiares mais carecidos de um mínimo de subsistência não deverão parar e a transformação social do Brasil afigura-se como o único caminho para garantir em paz o seu obrigatório desenvolvimento. Em Angola, a escala é astronomicamente inferior e até o número de fortunas granjeadas ao longo de anos de opulência governativa é incomparavelmente menor. Não é, porém, menos gritante, a diferença entre ricos e pobres e são estes, como no Brasil, a maioria que tem ganho as últimas eleições. Já lá vai o tempo em que os “coronéis” ditavam o sentido do voto quando o tamanho do país e a falta de meios de fiscalização consentia chapeladas e outras fraudes que a história vai contando. Há muito que os “coronéis” estão nos partidos políticos e é aí que se movem as pedras no tabuleiro de xadrez brasileiro.

Numa outra latitude, o mais poderoso rei petrolífero que não se vangloria nem da sua democracia nem da independência do seu poder judicial, manteve sequestrados alguns dos seus príncipes num hotel de luxo asiático propício a uma meditação orientada no sentido de trocarem a sua plena liberdade pelo alívio do peso de dezenas de milhares de milhões de dólares que fazem mais falta ao orçamento de modernização do país.

Tal como o Brasil, Angola é, porém, um Estado de direito e a sua base é e será sempre a soberania do povo angolano e a defesa da dignidade humana, como reza o artigo 1.º da nossa Constituição. Num ano de expectativas ao rubro, o primeiro Orçamento do Presidente João Lourenço era aguardado com natural ansiedade. Pela primeira vez todos os partidos políticos de oposição com assento parlamentar não votaram, na generalidade, contra o Orçamento Geral do Estado. O Presidente da República fechou, assim, com sucesso o triângulo que prefigura a sua geometria política. Falta completar a quadratura do círculo: fazer muito mais e melhor com bastante menos dinheiro! Como, todavia, bem o ilustra o exemplo da Arábia Saudita, é preciso correr atrás do prejuízo, ou seja, atrás do dinheiro que falta. Até Jesus que não era economista não despediu de mãos vazias a multidão que o seguia mas multiplicou pelo número dos seus seguidores o pouco pão e peixe que sobrara da última refeição. Tão básico como uma regra de três simples!

Publicado no VANGUARDA de 2 de Fevereiro 2018

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