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Um reino como este


Era uma vez um Rei que desejando identificar o seu sucessor de entre os seus mais prováveis seguidores, decidiu pô-los à prova. O desafio corresponderia à gravidade da situação, mas explicava-se em muito poucas palavras. "Lembram-se da parábola dos talentos?" Perguntou o Rei. Todos disseram que se lembravam e essa foi a sua primeira inadvertência porque na verdade não há uma, mas parábolas sobre idêntico tema, mas isso não tem agora a menor importância.

Sentaram-se à sua volta os vários os pretendentes curiosos de saber se estariam à altura das regras do jogo que tudo indicava lhes seria proposto. "Tenho aqui três poços de petróleo...". e o Rei exibia orgulhoso, como um baralho de cartas aberto em leque, três contratos de partilha de petróleo, mais conhecidos por PSAs.... Qualquer deles já foram dos mais lucrativos da nossa história, poderia ter acrescentado, como o atesta a altura das suas torres ainda mantendo no cimo uma pequena chama que tanto pode ser uma bandeira reluzindo de esperança, como a lâmpada vacilante de uma das virgens que gastou mais do que a sua conta de azeite, antes da chegada do noivo!

"Pois o desafio meus amigos é simples: cada um destes poços tem um potencial de petróleo que dá pelo menos para duas gerações: a nossa e a próxima. Estão todos concessionados às mais importantes companhias mundiais que vão pagando os royalties e os impostos que foram convencionados sobre o petróleo que levam consigo para o exterior. Contudo, como infelizmente todos sabemos, o preço do petróleo tem baixado drasticamente e as subidas esporádicas com que por vezes nos animamos, não têm passado de balões de oxigénio que mal nos permitem respirar ou dormir descansados. O povo não para de aumentar, como o confirmam os censos e não é de admirar que este reino, em tempos visto como a última versão da terra promissão, não disponha de rendimentos imediatos para a educação, saúde, segurança social não falando de todas as outras necessidades que nos perseguem como fantasmas esfaimados, tendo de recorrer a ajudas internacionais que não passam de agiotas calculistas.

O Rei olhou meio de soslaio e com alguma malícia para cada um dos que tão intimamente o rodeavam e perguntou a cada um deles, com os olhos fixos no leque dos PSA, antes visto como uma cornucópia de fortuna incomensurável, assemelhando-se mais agora a um escoadouro por onde poderiam rapidamente sumir todas as riquezas do país.

Um a um, os mais ousados estenderam a mão recolhendo o seu contrato deixando aliviada a mão desconsolada do Rei, privada do que havia sido o ceptro do verdadeiro poder.

Tal como na parábola o Rei ausentou-se e cada um dos que se haviam heroicamente aceitado o repto imediatamente se lançaram à resolução do problema que mais parecia um enigma. É claro que não faltaram à sua volta os que resmungavam contra as intenções do Rei enquanto outros desistentes da primeira hora diziam à boca pequena que era preciso esquecer o petróleo e pensar na agricultura, nos serviços, nos diamantes e noutros minérios que felizmente cruzavam em veios abundantes o país de alto abaixo, não esquecendo a energia de tantos rios caudalosos e profundos que o Bom Deus nos concedera desde que o mundo era mundo. Levaria muito tempo, mas que importava, o povo não morreria de fome apesar de as vacas magras continuarem à solta, nas margens dos rios lamacentos e intransitáveis, dando cabo do que restava dos pastos.

O primeiro titular do contrato de petróleo foi logo nesse mesmo dia ter com o concessionário e propôs-lhe reduzir as despesas de exploração contra a aceitação de uma baixa considerável dos royalties e impostos. Assim manteria a rentabilidade do poço por vários anos embora à custa de ter de pôr no desemprego muitos que tinham naquele trabalho a fonte de manutenção das suas famílias. Continuaria a garantir a lucratividade do poço, mas à custa de menos dinheiro para contribuir para o orçamento do reino. O Rei decerto louvaria a sua prudência e capacidade negocial.

O segundo titular, mais arguto, tomou o avião para a América levando consigo uma proposta irrecusável: aumentar significativamente a produção do petróleo não mexendo um cêntimo no valor dos royalties e impostos.... tudo o que fosse produzido a mais apenas obrigaria o concessionário do poço a aumentar o número de empregados e os serviços de abastecimento. Tudo o mais era um bónus importantíssimo considerando o potencial petrolífero que ia muito para além de mais de metade do que já fora explorado até aí. Mesmo assim, o concessionário, cuja capacidade negocial não fora devidamente avaliada, torceu o nariz... Tudo seria muito bom se os custos baixassem proporcionalmente, isto é, salários, serviços de abastecimento e outros. A austeridade tem de ser para todos ou então não é austeridade, não é assim?

O terceiro titular passou a noite a ler a parábola dos talentos, a parábola das dez virgens e sobretudo aquela que de tão pequenina mais o impressionou, até porque tinha tudo a ver consigo mesmo: “O Reino dos Céus é semelhante a um tesouro escondido no campo que alguém encontrou e escondeu; e cheio de alegria, vai e vende tudo o que possui e compra aquele campo”. Acontece que aquele homem era rico, pois acumulara fortunas atrás de fortunas, durante toda a sua vida, pensando que assim garantiria a sua felicidade e a dos seus descendentes. O Rei sabia-o e compreendia-o. Também na Bíblia se conta a história daquele jovem que praticava o bem ajudava as viúvas e todos os desgraçados que encontrava pelo caminho e almejava entrar no reino dos céus. A resposta do Senhor veio clara e precisa: “vai e vende tudo o que tens e dá-os aos que mais necessitam e depois segue-me.” Não se diz a razão porque ele continuando a ser tão bom homem não seguiu Jesus. A explicação, no entanto, era óbvia: porque era muito rico, talvez demasiado rico para se desfazer dos seus bens e seguir outra vida.

O homem passou a noite a pensar no poço que o Rei lhe deu, nos empregos de tanta gente que dependiam dele, da própria economia do país que ia por água a abaixo.... e tomou a decisão que viria a garantir-lhe a coroa mas, muito principalmente, a felicidade para o resto dos seus dias. Reuniu todo o dinheiro que possuía, desaplicou o que tinha aplicado longe do Reino dando emprego a uns quantos mangas de alpaca a quem dava ordens numa língua estranha e, de seguida, chamou o concessionário a quem propôs que trabalhasse para ele. “O senhor anda há anos a queixar-se de que não ganha o valor justo... pois então, diga-me qual é esse valor e eu pago-lhe... o resto é para mim e para o meu povo!

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