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A maldição da mulemba

  • Onofre Santos
  • 6 de mar. de 2017
  • 3 min de leitura

Fará hoje, ou por estes dias, quinze anos que foi posto termo à guerra dos 55 dias desencadeada no Huambo após as eleições de 1992. Ao longo dos dias que durou o cerco, Fernando Campos concebeu e executou esta pintura alusiva ao desastre que se abateu sobre aquela terra onde já não se reconhece o "Huambo dos morangais e das goiabeiras" evocada por Ernesto Lara Filho na carta que em 1976 escreveu chorando sobre a sua cidade, então alvo de desumano assédio por parte das forças sul-africanas.

O original da pintura aqui retratada pode ser vista em todo o seu esplendor e emoção no Museu Municipal Dr. Santos Rocha na Figueira da Foz... É digna de se contemplar o acrílico sobre tela com as dimensões de 2,30X 1,20 em que o artista quiz retratar as emoções que lhe despertaram o cerco daquela maravilhosa cidade misteriosa e mágica, como ele próprio o diz.

Seja como for, desgraças à parte, não se cumpriu então, nem depois, a maldição do velho Albano, de seu apelido Canto dos Santos, o primeiro branco que aí pelos anos 20 do século passado calcorreou as terras do planalto e se juntou, de alma e coração, à bela mamuíla que arrancou à embala de um dos mais poderosos sobas da região. A união valeu-lhe, contudo, uma aliança preciosa para o grande empreendimento da sua vida. Acreditava ele na lenda de que aquelas terras eram férteis em diamantes e pedrarias pelo que nelas cavou e alargou, com a ajuda dos trabalhadores fornecidos pelo sogro, um fosso enorme à entrada do qual plantou uma mulemba que ali se foi erguendo como um estandarte e não menos significativo padrão de descoberta de um império prometido. O seu filho sucederia ao grande soba e Canto dos Santos seria um novo Cântico dos Cânticos, uma nova fronteira para a felicidade bíblica naquele planalto abençoado! A verdade é que nem um dia da sua pobre existência ele passou sem perscrutar a partir do seu ponto de observação na mulemba, a entrada da mina, na expectativa de lobrigar, por entre a penumbra de cada entardecer, raios de luz desferidos das mãos dos mineiros regressando do buraco. A árvore cresceu tanto que o velho Albano, ágil apesar da idade já avançada, trepava cada vez mais alto, sempre seguido pelo filhote aspirante a soba herdeiro do reino imaginário das pedras encantadas, só contendo a sua agitação entre os ramos para contemplar a saída dos mineiros. Um dia, já muito velho, o Canto dos Santos quase enlouqueceu de alegria ao ver finalmente o seu sonho transformar-se em realidade diante dos seus olhos... mas a sua mente cansada não pôde resistir à dramática reviravolta de que fora vítima de uma infantil armadilha, se bem que merecida depois de tanta teimosia, ao descobrir que os diamantes dourados, safiras e rubis não eram mais do que vidros pintados que as primeiras pingas de chuva lavaram, arrastando para o charco, os sonhos de glória do pobre Albano. Dali para diante a sua vida de semi-louco resumiu-se à mulemba, a bandeira perenemente desfraldada do seu império desfeito. Vingou-se loucamente com uma praga que muitos então temeram e a muitos mais de outra geração fizeram tremer, como se sob as suas cabeças balançasse uma maldição: "quando esta mulemba secar, o Huambo vai desaparecer, destruído pelos seus próprios filhos e as riquezas do solo não serão para ninguém". Será tudo isto apenas uma lenda? Resolva por si mesmo esta questão. Quando passar pelo Huambo, procure pela velha mulemba secular... não precisa muito para a encontrar... aspire fundo, feche os olhos, regresse aos anos vinte do século antrior e oiça no vento que passe o velho Canto dos Santos.

 
 
 

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