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O ano da morte de Antero de Abreu

  • Onofre Santos
  • 17 de mar. de 2017
  • 3 min de leitura

Morreu, como poeta que também era, num ano a rimar com o 1927 do seu nascimento em Luanda. Fui seu colega como advogado por uma década que se pode chamar feliz, ao longo da qual apenas uma única vez me surpreendeu, quando me convidou para o seu casamento. Celebrado no Clube Naval onde o Conservador de serviço, não menos colega e amigo, abençoava a união e as alianças e até permitia o primeiro beijo num mimetismo que milhares de anos de conservadorismo católico nunca apagariam Em dez anos creio que apenas discutimos cinema ele que era um sábio da sétima arte e eu um mísero aprendiz. Até que chegou o ano em que Angola, se tornaria independente a 11 de Novembro de 1975. Embora assim devesse ser, custasse o que custasse, nada dispensaria Angola de ter a sua carta magna a qual devia estabelecer criteriosamente estabelecer as obrigações futuras entre os signatários beligerantes, num absoluto plano de igualdade, isto é, sem levar em conta nem precedências cronológicas, nem dimensão de zonas de influência, nem muito menos potencial bélico. Todos e por igual, cada um dos três Movimentos de Libertação foram solenemente proclamados não apenas representantes legítimos do Povo Angolano, mas os únicos representantes do Povo. Mas havia pressa, não havia legisladores a quem essa tarefa constitucional pudesse ser confiada e assim, de forma muito prática, e quase do pé para a mão, cada Movimento indicou dois juristas renomados e da sua confiança, para muito rapidamente colocarem em letra de forma essa primeira Carta Magna. Antero de Abreu, e a também recentemente desaparecida Maria do Carmo Medina foram os convocados do MPLA. O Dr. Joaquim Fernandes Vieira que se assumira como paladino da UNITA foi o indicado para chefiar a sua equipa. A FNLA não tinha nem pau nem bandeira no campo jurídico e optou por convidar um advogado muito mais novo, pelo menos 15 anos o separava dos seus Colegas, mas alguém que optaria sem dúvida pela nacionalidade angolana e até defendera no Jornal de Angola a dupla nacionalidade para todos os angolanos e portugueses. Não era nem filiado nem militante da FNLA mas ganhara a confiança daquele Movimento não só pelos seus editais publicados por aqueles dias no principal meio de comunicação angolano, como ele próprio intermediara com sucesso a compra daquele jornal no interesse da FNLA com pleno assentimento do seu principal proprietário, Carlos Ervedosa, tio de Antero de Abreu. Carlos Ervedosa deixou explicado para a pequena história, como, quando e porquê o fez, no seu livrinho de recordações "No tempo das acácias em flor" que eu guardo mas quase ninguém leu. Assim se explica que esse jovem advogado fosse chamado para também meter a sua colherada no cozinhado da chamada Lei Fundamental. Uma lei, aliás, que só tinha uma pequena dificuldade e que era por todos de acordo quanto à realização de eleições antes de Novembro de modo a permitir que o poder colonial português pudesse deixar Angola airosamente, transmitindo legal e constitucionalmente o poder soberano aos seus representantes democraticamente eleitos. E foi assim que a Lei Fundamental foi a Conselho de Ministros, o tal que era rotativamente presidido ou por Lopo do Nascimento, ou por Johnny Pinock Eduardo ou por José N'Dele, tendo sido aprovado e publicado com as devidas honras no Jornal Oficial. Talvez devido à flagrante diferença de idades relativamente aos meus Colegas de Comissão, recordo que o meu pensamento facilmente se evadia das fastidiosas reuniões em que escrevíamos artigos sem ter fim.... e como um belo dia em que chegara ligeiramente atrasado mas sentindo-me justificado por regressar de um feliz encontro, dei de caras os meus colegas muito aborrecidos, sem que um único se dignasse fitar-me nos olhos até que um deles, abruptamente, iniciou a leitura de uma arenga que se perfilava como uma formal participação ao Alto Comissário e aos Presidentes dos três Movimentos de Libertação, denunciando a ligeireza do meu comportamento e a pouca seriedade com que estaria a encarar a sagrada missão de que havíamos sido incumbidos. Pelo canto do olho pressenti um mal contido sorriso do Antero de Abreu o que logo conduziu a uma geral explosão de gargalhadas pelo grande susto que me tinham pregado. Abençoado sorriso do Antero, meu amigo, que me livrou de um caricato pedido de perdão, de uma indigna retratação e à não menos humilhante obrigação de não poder continuar a fazer a corte a uma luandense que me conquistara o coração no dia da tomada de posse do governo de transição, no dia 31 de Janeiro de 1975, na Barracuda de tão feliz memória. Para mim, aquela jovem, com a sua beleza à flor da pele, foi a minha verdadeira independência, que era, afinal, mais uma emoção irresistível do que um facto histórico e, em boa verdade, não foi quando começaram os tiros por todo o lado, que eu senti como tudo se desmoronava, mas quando tive de lhe dizer adeus para sempre.

 
 
 

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