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Bem aventurados os pródigos


Gastar em copos... e quem sabe com mulheres.... o dinheiro a que seria mais sensato dar outro destino, chegou como um salmo salomónico aos meus ouvidos em pleno galope, o que transportou à conhecida cena do filho pródigo:

Um homem tinha dois filhos. O mais novo pediu ao pai que lhe entregasse a sua parte dos bens comuns. Para ser justo, o pai repartiu os bens entre os dois. O mais velho, mais sensato, embora tendo recebido igualmente a parte a que tinha direito, continuou a trabalhar com o pai, ajudando-o na exploração agrícola. Já o mais novo, seduzido pelo mundo que queria conhecer, partiu para uma terra longínqua e por lá vivendo à grande e à francesa. Quando a austeridade lhe bateu à porta e as privações lhe entraram pela casa dentro, caiu em si, e comparando-se ironicamente com os associados de seu pai, trocando a vergonha que sentia pela coragem de que imperiosamente necessitava, empreendeu o regresso na expectativa de que o seu arrependimento comoveria as próprias pedras do caminho que lhe ensanguentavam os pés enfiados nas sandálias rotas antes tão elegantes e lustrosas.

Conta a história que estando ele ainda longe , o pai viu-o, e de tal modo dele se condoeu que apenas lhe ocorreu compensá-lo pela dor que ele transparecia como reparar a humilhação que tantas marcas lhe deixara.

Ora, o filho mais velho que passara o dia a trabalhar no campo, ouviu, ao aproximar-se de casa, a música e as danças e não tardou a inteirar-se da razão de tanto júbilo e agitação festiva. No auge da cólera enfrentou o pai com palavras duras. Afinal, também o pai tinha dois pesos e duas medidas e não respeitava um acordo que fora solenemente assinado para ser rigorosamente cumprido. O pai compreendeu o filho mais velho e detestava reconhecer que ele estava carregado de razão.

“Não me lembro, pai, mas recorda-me, por favor, se o Senhor também proclamou a bem-aventurança dos pródigos? Se não estou em erro, o próprio Adão foi expulso do Paraíso e por não muito menos Caim condenado a trabalhos forçados na construção de cidades por toda a vida... “

O pai até àquele momento tão feliz por ter o filho ausente de volta ao regaço familiar, estava agora atormentado pelo justo ressentimento do outro filho que achava que em vez de um prémio o que o outro merecia era uma severa punição. Na verdade, tartamudeava o pai, “pacta sunt servanda”.... e não havia no contrato nenhuma cláusula de arrependimento.... Optou pela tentativa de lhe conquistar a condescendência:

“Vamos lá, meu filho, nem tu és Abel, nem o teu irmão Caim... Lembras-te de como repontaste comigo quando eu paguei o mesmo salário aos trabalhadores que vieram trabalhar na vinha logo de manhãzinha e aos que começaram a trabalhar depois do pino do sol e até aos que só pegaram nas tesouras ao anoitecer? Resmungaste e entraste no coro de protestos, dizendo que os últimos tinham trabalhado apenas uma hora e eu os tinha equiparado a quem aguentara o peso do dia e o calor abrasador. Teria eu dois pesos e duas medidas? Ora, eu também te poderia ter respondido, como agora me atiras em rosto, que os acordos são para ser cumpridos. Não cumprira eu, rigorosamente, o que estabelecera com cada um deles?"

"Olha meu filho, tu sabes que eu te amo, tanto como ao teu irmão, mas tenho de reconhecer que cada um é como é... conflitos não faltarão ao longo da vida, pois vocês ainda são muito novos, mas eu, que sou velho, dispenso ironias sobre o sermão da montanha porque, em verdade te digo, teu irmão agora é pobre e bem sabes que os pobres e carecidos estão no topo das prioridades divinas....”

“Essa tem graça... satisfaz todos os teus caprichos, mete-te nos copos em boa companhia e estás no caminho certo para te tornares um bem aventurado...“

“Compreendo a tua indignação meu filho, mas deixa-me lembrar-te que ao exprimires desse modo a tua cólera pecaste gravemente contra o teu irmão pelo que te aconselho a que o procures, e lhe abras o teu coração.... razões não te faltam para lhe abrires os olhos mas, diante do Senhor o que mais conta não são os pecados mas a reconciliação!

E já agora, meu filho, lembra-te daquela parábola do banquete de casamento para o qual todos os pobres foram convidados, mas nem por isso foi dispensado o traje nupcial.... Vamos lá a ver se mantemos o nível nesta minha Casa.... porque aqui só entra quem conheça e cumpra a etiqueta!

Pintura de Amadeu Sousa Cardoso

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