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O livro das revelações


Já vos tinha falado do livro que sempre me acompanha cujas páginas só aparentemente estão literalmente em branco mas que de forma contrária e paradoxal ao que sucede com a revelação fotográfica numa câmara escura, vistas à contra luz e num certo ângulo, vão descobrindo caracteres que se encadeiam numa morfologia dourada que mais parece magia negra que uma bênção do Senhor. O simples facto de aguardar o momento de dar descanso à minha montada para satisfazer o meu desejo irresistível de mergulhar nas suas páginas me assustava, como se abrir aquele livro fosse o mesmo que abrir a porta do infernos de onde não haveria regresso possível. A razão vinha em meu auxílio como um anjo apressado para não se deixar ultrapassar pelo galope do meu alazão que me conduz por instinto e portanto sem poder enganar-se no caminho a seguir....por muitas voltas que o nosso trajecto serpenteie, por muito que as dunas mudem de lugar e o vento nos pregue todas as partidas ao seu alcance ele sabe, não de ciência feita, porque isto não tem nada a ver com a ciência, que eu não posso falhar as portas do paraíso aonde incansavelmente me conduz. Aconselhava-me a razão à sua leitura, porque aquele livro apenas me ensinava a conhecer-me a mim mesmo. Se o livro fosse um mal, ele dar-me ia conselhos ínvios, abrir-me–ia os olhos sobre o mundo, levar-me-ia pretensiosamente a distinguir entre o bem e o mal e valorizaria mesmo o supremo livre arbítrio para eu fazer o que quisesse. Mas este livro magnífico, escrito para mim e só para mim descrevia em todas as letras o que o meu coração ansiava e o que eu era de verdade.... um simples homem a querer encontrar Deus na solidão do deserto, em busca do prémio que só está reservado aos bem aventurados do Senhor.

De repente avistei, não muito longe, sentado numa pequena frágua, um homem solitário que parecia esperar-me na volta do caminho. Refreei o meu cavalo a aproximei-me quase a passo do viajante que parecia entretido a escrever palavras ininteligíveis na areia. Saudei-o com cortesia e ofereci-lhe os meus préstimos pois estava longe da cidade mas o homem envolto na sua túnica branca já encardida pelas tempestades do deserto agradeceu-me, mas tinha um encontro marcado e tinha de continuar ali a aguardar.

Olhei-o com espanto e em redor, dando-lhe conta de que cavalgava há várias horas sem encontrar qualquer alma no caminho. O homem riu-se e confidenciou-me com alguma ironia que aquele que ele esperava só era visível quando queria e que até poderia estar a viajar ao meu lado sem eu dele me aperceber. Lembrei-me logo do meu livro das revelações e por um instante vacilei em partilhar o mistério das palavras invisíveis que só à luz se tornavam legíveis. Depois, pensei melhor e preferi silenciar, não fosse despertar-lhe a curiosidade de ele o querer ler também. Despedi-me e ele agradeceu a minha amabilidade como se eu não passasse de um pobre diabo, o que me fez arrepender de não ter sido mais generoso repartindo alguma coisa do meu alforge pois o homem parecia que já não comia há vários dias. Nessa altura, o homem sorriu e disse que não lhe faltaria de comer depois de se encontrar com o visitante que não devia tardar. Arrisquei a pergunta para saber como ele podia estar tão certo. A sua resposta deixou-me desconcertado. “Porque está escrito no meu livro das revelações e ele nunca se engana”.

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