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Este voo não é para as minhas asas


Ultimamente voltei aos meus rudimentos de latim....o meu livro de revelações volta e meia aparece-me com um enunciado ou uma máxima em latim.... Antes latim que grego apesar de estas duas línguas provirem da mesma árvore.... por exemplo árvore em latim é arbor e em grego erbor.... mater que é mãe, todos sabemos, em grego é meter... quase com a mesma entoação. Ainda assim, sinto-me muito mais familiarizado com o latim desde que o comecei a pronunciar automaticamente nos meus tempos de iniciado.... “non sum dignus”sed libera nos a malo”. Coisas idas de um passado mais que perfeito! Ontem à noite, porém, com a mão firme na lamparina e as lunetas assestadas sobre as páginas em branco sempre prontas a surpreender-me, voltei a maravilhar-me com aquele verso de Virgílio, o grande poeta romano que em latim dizia mais ou menos assim “feliz aquele que busca a essência das coisas”. A essência das coisas... não é uma revelação fácil... a essência pode ser o que está oculto, que existe e os olhos não descobrem.... ou será, antes, procurar o que alguma vez vimos e ansiamos por continuar vendo, sentindo, perseguindo um perfume que se vai esvaindo no ar, como um cego atrás de uma réstia de luz.... Mas eu não estava nesse momento a pensar em mim, mas em Alighieri Dante, que inconsolável com a perda tão precoce de Beatriz, é encorajado pelo poeta a reencontrá-la, nem que tivesse de revolver a profundas do inferno para ter um vislumbre do Paraíso e da própria Beatriz que só aí o poderia aguardar. Buscar a essência das coisas, descobrir o significado de uma ausência por demais injusta, era a única coisa que fazia feliz Dante, perante o cortejo de infelicidades infernais que terminariam graças a Deus, no “empíreo” e na contemplação da mulher que tanto amara e que na realidade nunca tivera no seus braços. Seria a mulher da sua vida se a vida não a tivesse levado de si tão cedo, tão inesperadamente, sem uma explicação! E Dante, finalmente, encontra Beatriz que pela mão o conduz e explica o que é afinal o Paraíso. O paraíso não era, ao contrário do que ele suspirava que fosse, o jardim das delícias, onde não faltaria o lago de água pura par lavar-se de todas as escoriações causadas pelo seu doloroso deambular pelo Inferno, onde a teria, enfim, nos seus braços podendo dizer-lhe, olhos nos olhos, quanto a desejava.... Apesar da eternidade o tempo passava também no Paraíso e Beatriz, já não era a menina por quem se apaixonara no primeiro instante em que a vira e tão misteriosamente como lhe aparecera, dera meia volta e desaparecera da sua vista, de tal modo que Dante não sabia se a tinha visto mesmo ou apenas adormecido e sonhado com ela. Apenas se lembrava que Beatriz fora a sua cicerone naquele altíssimo círculo e lhe explicara que o Paraíso era apenas isso, aceitar, aceitar tudo, mesmo aquilo com que jurávamos a pés juntos nunca nos conformaríamos. E que todos teríamos asas para nos encontrarmos porque o céu era infinito. Muito mais infinito que o deserto por onde eu vagueava. Senti que Dante já não estava comigo e estaria por certo viajando lá em cima entre as estrelas rindo da sua divina comédia. Tentei ler mais nas páginas inertes do meu livro de revelações, mas a luz esvaía-se e os traços deixavam de fazer sentido. Pela primeira vez senti-me tão só e tão triste que não esperei pelos primeiros raios matutinos para montar no meu cavalo de cauda empinada lamentando que este voo não seja para as minhas asas...

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