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Viagem ao país das eleições


De volta às estrelas aonde pertence, o Principezinho, montado na serpente emplumada de escamas amarelas brilhando ao sol como ouro puro, apontou lá do alto para um país que, visto daquela distância parecia coberto de embondeiros, a única árvore que ele conhecia no seu pequeno planeta perdido entre milhões de asteroides.

-Que achas Serpente, não gostavas de ver mais de perto aquelas árvores tão semelhantes mas tão diferentes das que eu trato com mil cuidados lá no meu pequeno planeta?

- Não me custa nada, eu não tenho pressa... mas olha que não é de bom tom entrar por uma terra dentro sem ser convidado...

- Nem vão dar por nós... é um terra tão grande, não admira ter tantos embondeiros.... e tão grandes... são bem diferentes dos meus que tenho de estar sempre a podar para não se entrelaçarem uns nos outros... e não invadirem o espaço da minha flor...

- Tudo bem, mas se queres um conselho vamos aterrar ali naquela aldeia, e vamos perguntar ao chefe se nos dá autorização para examinarmos a vegetação circundante....olha ali está ele....

- Como sabes que é ele o chefe?

- Pois não se vê logo que é o único que tem gente à volta a ouvi-lo com veneração?

A Serpente deu uma volta discreta à aldeia e poisou à volta de um embondeiro paquidérmico indo logo dissimuladamente enrolar-se num dos galhos de modo a observar o Principezinho caminhando por entre as alas que imediatamente se abriram para o inesperado visitante um corredor em direcção ao governante local que, envergando a sua indumentária tradicional, o aguardava expectante no seu trono de madeira toscamente lavrada.

O Principezinho parou a uma pequena distância do potentado e permaneceu de cabeça baixa aguardando a ordem de avançar. Assim aprendera com o rei do asteroide 325. Olhando de soslaio viu o chefe da aldeia a fazer um gesto para avançar o que fez prontamente, com uma graciosa vénia, demonstrando não apenas boa educação mas também uma forma de o cativar, lembrando as instruções da raposa com quem fizera amizade noutro planeta por onde passara.

Seguiram-se as apresentações e o Principezinho procurou satisfazer a curiosidade do Soba que o convidou a sentar-se numa pequena banqueta ao seu lado.

Ficou o Principezinho a saber que toda a azáfama do dia estava relacionada com as próximas eleições para escolher o Grande Chefe de todo o País, sendo necessário informar os seus súbditos acerca de cada um dos candidatos de modo a escolher um, necessariamente o melhor aos seus olhos, atendendo aos interesses colectivos da aldeia que lhe competia governar pelo direito mais antigo, que passava dos mais velhos para os mais velhos até aos dias de hoje.

O Principezinho estava maravilhado com tudo o que via e ouvia, ficando a saber que como aquele havia milhares de outros sobas, tantos como embondeiros à nossa volta, explicou o chefe girando o braço de modo a abarcar aquelas árvores solitárias e descarnadas, bojudas no tronco e cobertas de galhos retorcidos como cabeleiras desgrenhadas que se perfilavam no horizonte.

- E todos eles decidem em quem vão votar no dias das eleições, é assim? Mas, então não valia mais uma reunião dos chefes para escolherem o soba grande, ou o rei, não sei como lhe hei-de chamar...?

- Presidente... chama-se Presidente, porque ele não é um chefe tradicional, para a vida inteira, como eu ou como os outros chefes... ele é escolhido por cinco anos... assim temos de repetir a eleição ao fim de cada período... chama-se democracia....

- Ah! Como na América, eu vi isso por lá... as pessoas votam todas num só dia e escolhem o melhor deles todos para mandar durante cinco anos....

- Mais ou menos assim... mas lá não há chefes tradicionais.... a não ser os índios, mas esses não contam para nada... aqui a Constituição diz que o nosso poder vem do direito consuetudinário, anterior, portanto, à própria Constituição...

- Então, se bem compreendo, cada Soba tem um poder superior ao do Presidente... porque o seu poder vem de traz e de longe e continua depois dele.... e se há sobas grandes e até reis, porque é que todo o País não pode ser governado pelo poder tradicional?

O pobre monarca riu com gosto da lógica do Principezinho... e lá lhe explicou que o seu poder era apenas local e que o Presidente tinha um poder universal, reinando sobre todos indiferentemente de eles serem súbditos de muitos chefes tradicionais. O Principezinho parecia um pouco confuso. Então o soba perguntou:

"Ouve lá, tu também és Principe, mas mandas aonde e em quem?

"Eu trato dos meus três embondeiros e da minha flor que só a tenho a ela... mesmo quando estou longe, como agora, olho para a estrelas e o meu pensamento voa logo na sua direcção... não me posso esquecer que tenho de a regar e tenho de cortar os galhos e as copas dos meus embondeiros para não a afogarem. Não achas que já tenho muito para fazer? Vê bem que só me resta um minuto por dia para gozar o por do sol, ao lado da minha flor! O meu mundo é mesmo muito pequenino!

- Pois aqui na nossa aldeia não é muito diferente... tenho de cuidar de cada súbdito, acudir às suas necessidades, tratar de organizar as colheitas e ajudar as famílias a viver em paz... usamos as catanas para cuidar da terra e as bênçãos do céu para ter a chuva, o sol e o amor.... foi sempre assim, desde que o mundo é o mundo mas, depois aprendemos que o que bom para uns pode não ser tão bom para outros, que é preciso fazer escolhas, as eleições são a forma de resolver essa magana questão... tens algum modo melhor de a resolver?

- Eu sou uma criança... sempre achei que "as pessoas crescidas são mesmo esquisitas".... o que eu quero dizer é que um chefe é como um embondeiro... parecem todos iguais e na realidade nenhum é exactamente igual a outro.... por muitos que aqui tenhas à tua volta... acho que eles querem lá saber de eleições e de democracia... o que achas se tivesses que escolher um entre tantos?

- Mas sem os embondeiros esta terra seria diferente... mesmo que pareçam árvores ao contrário, árvores com a raízes ao sol e ao vento, elas são árvores perenes, como nós, os chefes tradicionais e somos nós quem tem a primeira e talvez a última palavra nestas, como em todas as eleições... ninguém chega a Presidente sem a nossa bênção, o resto, meu amigo, os partidos e a maioria dos políticos é que são a paisagem... apenas paisagem.

Mais tarde sobrevoando os embondeiros cavalgando a Serpente dourada, o Principezinho sorria inebriado com o poente que ardia por entre aquela floresta de embondeiros. Nunca vira um tão bonito assim...

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