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Os Violinos (de) Agosto

  • Onofre Santos
  • 24 de jul. de 2017
  • 3 min de leitura

Sei que muitos dizem que estou velho e o meu momento de glória já está para lá do horizonte... mas não é por isso que agradeço o convite do VANGUARDA para assinar regularmente uma coluna... dizendo o que sei, o que recordo, tendo a certeza de que se estar calado seria o mais prudente, embora comunicar me deixe muito mais contente. Há quem me diga e repita que um juiz não deve perder de vista o seu recato.... mas eu tenho a consciência de que sou respeitador de todos mesmo daqueles que me preferiam ver de boca fechada, neste caso de caneta no bolso. É puro engano pensar que um juiz é uma pessoa diferente das outras, que tem de assumir a sua dignidade profissional com vestes adequadas, sóbrias e solenes, uma pessoa, enfim, que só faz perguntas e quase nunca dá respostas... Por isso e por definição, não deve dar entrevistas. Afinal, o ideal seria mesmo o juiz não ter opinião ou se a tiver que a guardasse para ele... assim nunca estará em conflito com alguma potencial parte que um dia lhe entre pelo tribunal. Não é esse o meu entendimento e embora admitindo o dever de prudência inerente ao cargo que exerço, não me considero limitado nos meus direitos de expressão tanto no plano político como na minha actividade jurisdicional.

D. Francisco da Mata Mourisca, já na sua qualidade de Bispo Emérito da CEAST, deu à estampa um livro muito interessante “Violinos de Deus” em que compara cada pessoa com esse instrumento maravilhoso que ainda há dias nos encantou no grande concerto da Orquestra Kapossoka, um orgulho para todos os angolanos. Quem melhor do que D. Francisco, que já era uma lenda nos meus tempos de Coimbra, no idos de 60, resolvendo os problemas dos mais necessitados, actuando sempre como incansável instrumento de Deus, para agora nos dizer que cada um de nós é como um violino a quem basta uma corda desafinada para não ser capaz de tocar bem e deitar tudo a perder? O livro é um catecismo de qualidades humanas, outras tantas cordas de um violino que se ligam imperceptivelmente para se traduzir em harmonia. Eu pego no meu violino, talvez meio esquecido e com algumas cordas meio soltas e penso... “aos olhos de Deus, para ser mau, não é preciso fazer o mal; basta não fazer o bem”. Por outras palavras todos temos uma responsabilidade de tocar o melhor que soubermos e pudermos, de preferência bem afinados.

Esta minha primeira coluna dedico-a aos três grandes intérpretes de uma melodia tragicamente interrompida em 1975... e chamo a atenção para a natureza tão diferente traduzida subtilmente na indumentária dos grandes protagonistas da nossa independência: o intelectual, o asceta e o revolucionário... o primeiro que profetizou em verso a sua vinda; o segundo por quem em vão tanto se esperou e o terceiro que apareceu como um sinal de contradição. Para um o poder, ainda que efémero, para o segundo o deserto que nunca chegou ao fim, e para o terceiro a tragédia do inconciliável, da não aceitação, até ao seu último dia. Hoje, todos afinamos as cordas dos nossos violinos buscando a inspiração nestes três stradivarius que o tempo levou, e já não tocam as nossas malambas de outrora. Os intérpretes do Agosto à vista já estão ensaiando os primeiros acordes de uma tri ou quadrifonia, que os tempos são outros e a audiência também não é a mesma. A democracia assim o exige, o concerto formal, o traje de cerimónia, o mestre de cerimónias... todos prometendo um futuro melhor mas todos condenados a lançar um olhar para trás. No seu livro “Os Violinos de Deus”, D. Francisco de Mata Mourisca conta uma lenda nórdica de certo príncipe que matou o pai a fim de reinar no lugar dele. A partir daquele dia, passou a ter pesadelos que não o deixavam dormir. Pensando que era o espírito do pai que ele tinha assassinado, começou a pedir-lhe perdão muito compungidamente. Uma voz então se fez ouvir bem alta e bem clara: Não, eu não sou o teu pai. Se fosse o teu pai, eu até te perdoava. Mas, não sou o teu pai. Queres saber quem eu sou ?

Os meus leitores já descobriram a resposta (se não, lá terão de ler os Violinos de Deus). A resposta está mesmo lá, nos violinos, no meu, nos vossos, na orquestra que será o nosso orgulho ou a nossa tragédia. Há palavras que são mais do que isso e que todos nós consideramos as cordas que nos prendem à vida. Verdade, é uma delas, Justiça, é outra. E contudo, mais do que verdade e justiça, para se produzir notas de qualidade, tem de se ter sensibilidade. Sem ela, não há arte e sem arte não há vida, mas talvez e quando muito, algumas boas imitações!

 
 
 

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