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ALÔ ALÔ VIDIGAL

  • Onofre Santos
  • 13 de ago. de 2017
  • 4 min de leitura

Escritores e outros artistas da palavra literária marcaram encontro no Morro do Vidigal, uma das favelas que circundam a cidade do Rio de Janeiro e foi de lá mesmo que se ouviram em dueto e em perfeita consonância crítica relativamente às próximas eleições gerais em Angola, as vozes incontornáveis de José Eduardo Agualusa e de Luaty Beirão.

Há todo um simbolismo na escolha de uma favela para esta reunião de literatos, ou não fosse a literatura o reino da metáfora e esta foi sem dúvida uma oportunidade que eu também não perderia se estivesse no lugar de qualquer deles. Recordaria então, como o faço agora, a emoção de João Paulo II quando, em 2 de Julho de 1980, subiu o Morro do Vidigal, abençoou as suas crianças ofereceu o seu anel episcopal.

Visitar os pobres é uma das obras de misericórdia e o despojamento em seu favor um sinal de amor indispensável para a sobrevivência da raça humana. O anel de bispo de Roma seria o único pertence de real valor económico do Papa, pelo que a sua dádiva foi exemplar. O desaparecimento do dedo, daquele anel com tanta carga representativa iria comprometê-lo com a causa dos mais fracos e vulneráveis, não só do Vidigal, como do resto do mundo de que aquele bairro, campeão de miséria, é apenas uma apropriada alegoria.

João Paulo II já não o levava no dedo quando visitou Angola em 1992, nas vésperas das suas primeiras eleições, e ali, exactamente onde hoje se ergue o parlamento angolano, celebrou a missa campal, rezou e abençoou os angolanos. Eu estava lá, entre a multidão e recordo como me pareceu que ele me divisou entre as massa de populares e me fixou... uma marca branca num povo determinado a não fazer discriminações em razão da ascendência, sexo, raça, etnia ou cor, como também reza a nossa Constituição. João Paulo II veio a Angola nas vésperas das suas primeiras eleições multipartidárias e democráticas. Encontrou-se com todos os líderes políticos, tanto os que se reclamavam do advento da democracia, como os que não se envergonhavam do antigo testamento monopartidário e se decidiram em apostar nas urnas um futuro diferente. Nunca, como em 1992, os resultados foram tão imprevisíveis. Desta feita, o Papa já não tinha, como no Vidigal, nada mais para oferecer do que a sua palavra de exortação à paz, antes, durante e especialmente depois das eleições. Contudo, mesmo hoje, são ainda muitos os angolanos que jamais acreditarão na veracidade dos resultados eleitorais dessas primeiras eleições que culpam pelo reacender do ódio que varreu o país como um incêndio incontrolável, cruel e fratricida.

Por isso, e apenas por isso, a desconfiança que ainda hoje persiste quando estamos a poucos dias de realizar as quartas eleições, depois de 1992, de 2008 e de 2012. Não obstante, reconhecer que mais se poderia ter feito para reduzir esses índices de descrença no nosso sistema eleitoral, os líderes políticos da oposição desgastam-se entre apelos a auditorias e a uma fiscalização dos actos eleitorais à espera duma tramoia que com grande probabilidade não acontecerá esquecendo frequentemente o principal.

Num país com o histórico de Angola é crucial não confundir o combate aos sintomas da desigualdade com as causas da doença que se tornou endémica. As eleições não serão o remédio para os nossos males mas seria muito pior sem elas. O apelo à abstenção de Luaty Beirão, além de anacrónico apenas revela a sua descrença nos partidos e nos líderes angolanos, tanto os que estão no poder como os que estão na oposição. Como ele não vota quanto maior for a abstenção maior seria a sensação de uma vitória ilusória. Escolheu mal as eleições para esse apelo e os resultados vão certamente surpreendê-lo. Assim como a tónica na recomendação de uma apertada vigilância dos actos eleitorais (votação e contagem) pelos delegados de lista dos partidos e da coligação, para lá da contradição com o processo viciado desde início, não acentuam o que na verdade é fundamental na actividade e responsabilidade destes agentes partidários: recolher os resultados certificados da contagem de votos em cada mesa eleitoral, de modo a poder-se confrontar e eventualmente desafiar os resultados que vierem a ser anunciados pelos órgãos da Comissão Eleitoral. Só a apresentação dos resultados documentados de cada mesa, cada assembleia, cada bairro, cada município e cada província tornará credível e possível a impugnação de uma votação se os resultados não condisserem com os que forem sendo anunciados. É a simples aritmética a única arma que pode derrubar uma eleição. De pouco valerá denunciar como falsos resultados cuja contraprova está legalmente ao alcance dos concorrentes eleitorais.

Ano passado, em Cabo Verde, num conferencia de escritores de língua portuguesa, o escritor Abranches Soveral, terá dito que “os grandes poetas não colocam problemas pedagógicos... resolvem-nos!” Também os políticos angolanos de agora deviam estar mais do lado da solução que do problema pelo qual terão a sua quota de responsabilidade. E não vale a pena sonhar... ou esperar por um Mandela, pois Angola não poderá, sequer, dar-se ao luxo de esperar que alguém saia de uma prisão daqui a trinta anos!

Aliás, Angola não precisou de um Mandela para bater o pé e estabelecer um princípio de igualdade que foi até generoso para aqueles que como eu, como Agualusa e como Beirão nasceram em Angola, de pais originariamente portugueses e passaram a ser angolanos de pleno direito nos mesmos termos que qualquer outro cujas origens se perdem neste continente africano. Nesse importante aspecto Angola é um país único em África e um sinal para um futuro com igualdade para todos. A mesma esperança que uniu os poetas no Vidigal para acabar com a pobreza e a vulnerabilidade social extrema dos favelados no Brasil deve animar-nos a batermo-nos pela inclusividade dos mais necessitados, em homenagem ao gesto de João Paulo II que não precisou de resultados eleitorais para vir a Angola abençoar o seu povo e mostrar-lhe o caminho de verdade, justiça e humildade que não dependem dos resultados eleitorais mas dos homens (e mulheres) de boa vontade!

Publicado no VANGUARDA, Bi-semanário angolano Agosto


 
 
 

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