HABEMUS PAPAM
- santosonofre
- 8 de set. de 2017
- 5 min de leitura

É uma pena que as eleições, sobretudo em África, não sejam tão inequívocas como as que têm lugar em conclave romano, à porta fechada, num regime que não sendo democrático, representa a real vontade dos cardeais enclausurados até chegarem à escolha por maioria de um deles. Depois é o fumo branco da queima dos votos que anuncia urbi et orbe que um novo papa foi eleito.
No Kenya o Presidente anunciado, viu agora a sua eleição declarada nula. Os quarenta milhões de kenyanos vão voltar às urnas para com toda a probabilidade repetirem a divisão dos votos entre Kenyatta e Odinga. O fumo negro emitido pela chaminé do Supremo Tribunal deixou metade do país exultante e outra metade furiosa com o Tribunal... mas conscienciosamente irá repetir-se, dentro dos próximos 60 dias, o acto eleitoral. Falta saber se haverá voto electrónico que foi o responsável pela sentença de anulação. O responsável da Comissão Eleitoral pelo sistema do voto electrónico tinha sido assassinado dias antes das eleições. Depois, o sistema electrónico falhou obrigando a Comissão Eleitoral a reconstituir o voto expresso electronicamente sem que os candidatos fossem habilitados a contradizê-los por ausência de actas eleitorais. Ao contrário de Angola, onde todos os votos são manualmente contados em cada mesa logo a seguir ao encerramento da votação, no Kenya, o sistema é misto, sendo electrónico uma parte considerável do voto, com as actas a serem geradas pelo próprio sistema. Sucedeu que o sistema não foi capaz de funcionar em termos de produzir as actas destinadas aos mandatários dos candidatos para seu efectivo controlo (crosschecking). Havendo falência do sistema electrónico, os resultados não puderam ser comparados e confrontados pelos concorrentes através de actas como aconteceu com os resultados obtidos manualmente. Como a diferença de votação entre os dois principais candidatos foi significativamente inferior aos votos electrónicos apurados de forma considerada duvidosa pelo Supremo Tribunal, as eleições foram anuladas e creio que bem. Ninguém deve ficar com dúvidas quanto ao Presidente eleito. O que é notável é que este mesmo Tribunal que recusou sempre os recursos dos concorrentes derrotados em várias eleições anteriores, só agora se viu alcandorado a Tribunal independentecomo se a independência só se revelasse quando se contraria o poder instalado. Ainda agora poucos se interessam em conhecer os fundamentos daquela douta decisão!
Em Angola diz-se, por provocação, que seria diferente se a decisão coubesse ao seu Tribunal Constitucional que nunca anula uma eleição, quer faça chuva quer faça sol, como se só agora tivesse chovido em Nairobi. Faz lembrar aqueles que também entendem que as eleições só serão consideradas livres e justas quando a oposição triunfar nas urnas. Ora, todos sabemos que em qualquer processo judicial, seja ele cível, criminal, administrativo ou eleitoral, as posições defendidas têm de ser fundamentadas. Para contestar uma eleição e os seus resultados não basta negar um facto – declarar por exemplo que os resultados da CNE não correspondem aos constantes das suas actas – é ainda preciso demonstrar isso mesmo. Essa demonstração só pode ser feita mediante a apresentação das actas que os partidos concorrentes declararam possuir na sua totalidade pois que para esse efeito elas lhes foram entregues. Para anular os resultados proclamados pela CNE, os recorrentes devem apresentar ao Tribunal Constitucional as suas actas e o apuramento a que chegaram, para que este tenha também a oportunidade de comprovar a sua independência.
De acordo com essas actas em poder da oposição quem foi eleito o novo “papa” de Angola: IS? AC? Porque o não dizem os Partidos da oposição ou os seus candidatos a Presidente da República? Querer anular as eleições com fundamento numa transmissão ilegal de resultados para efeitos de anúncio provisório, tendo em seu poder as actas que traduzem a vontade dos eleitores não faz sentido. Seria o mesmo que dizer que as actas em poder da CNE e dos partidos concorrentes não têm qualquer valor – apesar de expressarem a vontade dos eleitores – só porque em seu entender os resultados foram transmitidos para a CNE sem passar pelas estações de correio dos municípios e das províncias. Ora o que interessa saber é se as actas que chegaram CNE, pelos meios mais expeditos, traduzem fielmente a vontade dos eleitores ou, por outras palavras, coincidem com os resultados constantes das actas entregues aos delegados de lista depois de cada contagem manual nas mesas de voto. Se os partidos esperam anular as eleições com base em qualquer irregularidade na transmissão dos resultados, sem demonstrar que essa transmissão tenha afectado os resultados, não haverá Tribunal que lhes valha. Faça chuva ou faça sol.
Também alguns dignitários eclesiásticos vieram comentar a desproporcionalidade com que os meios de comunicação trataram os vários candidatos nesta eleição sugerindo que este tratamento desigual poderá ter desvirtuado os resultados. Embora me pareça que estas constatações só pecam por tardias, não deixa de ser interessante observar que onde os meios de comunicação são mais eficazes, ou seja na província de Luanda, foi exactamente onde os votos combinados da oposição ganhou as eleições. Em qualquer caso, todos os partidos e candidatos tiveram a sua oportunidade, no uso dos seus direitos de antena, de fazerem o ponto dos seus programas e das razões da sua discordância relativamente à permanência no poder do partido que o ocupa desde a independência nacional. Como também é correcto dizer que os mesmos candidatos e partidos decidiram correr o risco eleitoral indo a votos e convocando os seus eleitores, que sem cocções e com grande demonstração de civismo, votaram no dia 23 de Agosto.
É claro que se os resultados fossem manipulados em “laboratório”, como alguns fundamentalistas acreditam, nunca o MPLA concederia uma vitória logo em Luanda, a sua joia da coroa...! Recordo que em 1992 a UNITA conseguiu vencer e por maioria absoluta em províncias como Benguela, Huambo, Bié e Kuando-Kubango, mas foi arrasada no círculo provincial de Luanda. O censo recentemente finalizado poderá explicar quantos eleitores originários daquelas províncias vivem hoje nos municípios da província de Luanda. Os tempos mudaram, não tanto porque as pessoas tenham mudado... mas porque elas se mudaram. Sendo certo também que os tempos trazem consigo novas gerações que estudam mais e alargam a sua visão. Os jovens foram já a pedra de toque estas eleições e são agora o trunfo para as próximas eleições autárquicas ou gerais em 2021. Os resultados de 2017 estão aí para serem analisados pelos políticos, da situação e da oposição. Todos têm muito que reflectir e aprender a ouvir esses novos eleitores com pulsação elevada que querem o futuro já e não apenas amanhã ou depois... A década de reformas que a UNITA desejou e anunciou durante a campanha vai começar com ou sem ela e as outras forças políticas. Contudo, o que é desejável, e é de esperar, é ver uma oposição construtiva em acção, com ideias e projectos e uma liderança que será tão importante para a consolidação da democracia como a eleição do novo Presidente da República. “Habemus papam”... mas falta o resto que é muito... eu diria, quase tudo!
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