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Uma aula na Universidade


Marcelo Rebelo de Sousa voltou à Universidade Agostinho Neto para uma oração de sapiência... no final, em nome da liberdade académica, dispôs-se a responder a algumas perguntas. Foi José Carlos Vasconcelos, bem conhecido nos meios literários e nas redes sociais, quem arriscou a primeira questão: residindo no Povo o poder e sendo o Povo representado pelos Deputados na Assembleia Nacional, como é possível que num regime democrático, o Povo não possa fiscalizar o Governo.

O Professor-Presidente podia ter respondido muito simplesmente que não são apenas os Deputados que em Angola representam o Povo, mas também o Poder Executivo, ou seja o Presidente da República eleito ao mesmo tempo e num mesmo boletim, sendo que o boletim de voto é até bem elucidativo quanto à proeminência deste órgão de soberania: primeiro vem o nome e a fotografia do candidato à Presidência da República e só depois aparecem a sigla e as cores do Partido Político concorrente às eleições gerais.

Começou, porém, o Professor-Presidente por referir que essa questão de saber como é que o Povo garante, em cada momento, a sua soberania, era a questão mais debatida desde sempre em democracia. Lembrou, então, que tudo é muito fácil na “democracia directa” que permite aos cidadãos eleitores pronunciarem-se a todo o momento, sobre os mais variados assuntos do Estado. Logo acrescentou, todavia, que este regime só dá para pequenas comunidades, como é o caso dos cantões suíços e, mesmo aqui, não se trata exactamente de uma democracia directa, pois que aí se exige que as questões debatidas venham a ser referendadas. Portanto, a democracia directa não é possível, ponto final. De facto, não seria possível manter uma assembleia permanente de cidadãos a discutir constantemente os diversos problemas do país. Isto porque, todos os dias, é preciso disciplinar novas realidades e a democracia referendaria tem naturalmente limites.

A alternativa pareceu então residir na “democracia representativa” com base numa fórmula que, não sendo perfeita, seria mais viável. De acordo com esta fórmula o Povo elegeria, periodicamente, os seus representantes. Mas esta fórmula estava aberta às mais diferentes atenuantes e combinações. Foi, por exemplo, tentado um sistema em que eram eleitos os representantes do Povo, mas os respectivos mandatos poderiam ser retirados, caso essa representação desiludisse, por não serem alcançados os objectivos propostos. Foi o modelo soviético que teve a sua duração.

Outros países optaram pela constituição de duas câmaras, uma câmara alta e uma câmara baixa, sendo a primeira uma instituição de controlo e de complemento da segunda (caso do sistema norte-americano em que há grandes decisões que são tomadas pelo Senado e não são confirmadas pela Câmara dos Representantes).

Nos casos de uma só Assembleia de Representantes, há que ter em consideração o poder de cada deputado e de cada grupo que se forma dentro dela. Como evocou o Professor Presidente, a democracia representativa foi sonhada para não haver partidos, através da eleição directa dos representantes populares, em círculos uninominais. Votava-se em pessoas e não em siglas, estando os eleitos ligados aos eleitores por um natural pacto de responsabilidade. Contudo, o que aconteceu, também muito naturalmente, foi que os deputados começaram a aliar-se e formarem os seus grupos para ganharem as votações na Assembleia. Assim se constituíram os Partidos Políticos, não fora, mas dentro dos próprios parlamentos. É claro que houve também partidos que tiveram outra génese, por via de movimentos de massas, e por outros caminhos. Então, damo-nos conta de que há uma alteração no sistema, podendo dizer-se que desde aí, que os Partidos Políticos passam a ser verdadeiros intermediários entre o Povo e o órgão de soberania onde são tomadas as decisões que afectam a vida de toda a comunidade. O Professor-Presidente cita o caso do seu país, em que se um deputado abandonar o partido que o elegeu e se inscreve noutro perde o mandato. Contudo, caso se assuma como independente já não perde o seu mandato. Noutros países, mesmo que se assumisse como independente a consequência inevitável seria a perda do mandato. A verdade que sobreleva é que o Povo elege partidos e não pessoas, como seus representantes directos. Em conclusão, esta discussão sobre a representação do Povo, o seu alcance e limites, é um debate eterno, sempre à procura de melhores soluções. Hoje em dia a concepção clássica dos partidos está em crise, na medida em que os grandes partidos vão perdendo peso, cedendo espaço para outras formações políticas, geralmente em torno de um líder carismático ou populista como quase sempre são apelidados, onde quer que eles surjam. De certo modo, podemos reconhecer nestes movimentos de reagrupamento, um certo anseio pela democracia directa. Como quer que seja, estas preocupações relativas ao exercício da representação popular, varia de país para país que as consagram nas suas Constituições, de acordo com os seus próprios sistemas políticos. Juristas e politólogos têm nesse campo uma vasta seara para plantar as suas ideias, sendo certo que o direito, embora muito lentamente, está sujeito à lei universal da mudança. Em Angola o Presidente da República e os Deputados são eleitos numa mesma eleição, através de um único boletim de voto que torna a votação para os dois poderes não só conjunta como solidária, ou seja, quem vota num candidato para Presidente vota necessariamente no Partido que o apresenta com cabeça de lista e vice versa, quem vota num Partido vota obrigatoriamente no seu candidato à Presidência da República. O partido político vencedor, intermediário entre o Povo e o Poder Político é o mesmo e com este sistema político-constitucional é mais importante identificar o que se pede e espera de cada órgão de soberania eleito do que estar a imaginar como é que um pode controlar e fiscalizar o outro. Tanto com maioria absoluta, como sem ela, através de coligações ou acordos parlamentares. São órgãos de soberania separados mas que se complementam e que entre si colaboram de forma institucional, tal como definido na Constituição. Isto digo eu, não o eminente Professor-Presidente que nos encantou com a sua oração, de muita sapiência.

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