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Caminho de São Tomé


Voltei a São Tomé que vi pela primeira vez com os olhos da infância nos já bastante recuados anos cinquenta. A imagem da sua alva balaustrada embelezando a marginal ainda lá está como uma fotografia amarelada pelo tempo, expondo a sua decadência como uma boca à qual vão faltando alguns dentes. A ilha agarra-se agora ao rótulo turístico de último paraíso perdido o que quer que isso signifique no imaginário dos seus poucos curiosos visitantes. “Ver para crer”... anuncia o seu convidativo cartaz, prometendo revelar as maravilhas daquela ilha plantada no Atlântico, numa alusão ao apóstolo de Cristo que lhe deu o nome e que só acreditou na ressurreição de Jesus depois de colocar o dedo nas feridas infligidas na cruz. Dando voltas pela ilha, São Tomé pareceu-me, no entanto, um pedaço luxuriante de Angola vogando no largo oceano. Foi impressionante conhecer a vila de São João dos Angolares onde a população fala um crioulo com elementos de quimbundo e quicongo que lhe conferem um inegável atestado de origem. No domingo passado os angolares viveram a enorme euforia da vitória nacional do seu clube no futebol. O UDRA, “União Desportiva Rei Amador”, campeão de São Tomé, derrubara nessa tarde os “Operários” da Ilha do Príncipe numa finalíssima e, por todo o lado retumbaram os tambores até à chegada dos heróis, ao fim do dia, carregando a taça e o título consagrando também o Rei Amador, figura lendária do rei dos angolares cuja efígie aparece também nas notas de banco de São Tomé. Amador entrou para a lenda ao conduzir à revolta os escravos de São Tomé nos finais do século XVI... e os angolares da ilha é nele que se revêm e consideram que foi o percursor da luta de libertação do seu País. Por isso, o dia 4 de Janeiro é feriado nacional em São Tomé e Príncipe numa homenagem a este simbólico rei de ascendência angolana. Como é inevitável, a história junta os dois Países, ficando na voz quente de Cesária Évora a evocação do caminho para São Tomé, um caminho nem sempre de ida e volta, como o que eu acabei de fazer, percorrendo em hora e meia o que os navios durante séculos levavam dias pelo mar tempestuoso, inventando ou reinventando a “sôdade”, esse sentimento criado na alma pela distância, ardendo como o sal marinho nas feridas abertas no corpo.

No avião de regresso fui lendo as notícias de Angola e sobre os seus mais recentes ventos de mudança, que agora muitos comentadores nacionais e estrangeiros parecem querer reduzir a uma simples dança... das cadeiras. Ainda a caminho dos primeiros 100 dias do seu consulado, o Presidente João Lourenço, ainda não teria verdadeiramente sinalizado a implementação das reformas necessárias para o crescimento económico, apesar das surpreendentes alterações dos administradores das principais instituições estratégicas, como o Banco Nacional e a Sonangol. Faltam, dizem alguns especialistas na matéria, as reformas necessárias para atrair investimento para a economia. Como São Tomé, o santo patrono que deu o nome à ilha que eu deixara para trás, “só vendo acreditam!

O curioso é que em menos de sessenta dias João Lourenço fez o que ninguém, quer no País como fora dele, acreditaria que ele fosse capaz de fazer em tão pouco tempo! E que ninguém previu, sequer, que ele fosse capaz de fazer! Desde que tomou posse, a 26 de Setembro, na sequência das eleições gerais de 23 de Agosto, o novo Presidente da República procedeu a exonerações de várias administrações de empresas estatais, dos sectores de diamantes, minerais, petróleos, comunicação social, banca comercial pública e Banco Nacional de Angola, anteriormente nomeadas por José Eduardo dos Santos de quem a generalidade dos comentadores políticos garantia que o seu sucessor não passaria, pelo menos durante algum tempo, de mera correia de transmissão. Agora, e perante o vendaval exoneratório que varreu o País, os comentaristas têm prudentemente optado por uma notória inflexão não resistindo, porém, a diagnosticar que até aqui tudo se limitou a refazer uma equipa de trabalho para escapar à influência do anterior Presidente. Falta ainda ganhar o campeonato! Recordei a alegria popular dos angolares de São Tomé, festejando efusivamente na rua a vitória do União Desportiva do Rei Amador, unidos num sentimento de orgulho que vem de séculos. O seu crescimento económico e desenvolvimento continua a ser um grande ponto de interrogação mas, neste momento, o feito foi de tal modo galvanizador que os angolares, descendentes dos sobreviventes do naufrágio de um navio transportando escravos de Angola, acreditam que tudo é possível! Também me parece que em Angola tudo é possível e que a vontade de transformar, mudar e renovar é uma onda que todos teremos de cavalgar. É claro que resta a dúvida e até o medo de que o plano intercalar do Executivo identificando projectos e objectivos serão convertidos em actividades concretas e nos resultados desejados. Mas, como se diz numa canção, “só a dúvida ensina” e todos precisamos aprender, “onde o medo termina” pra que possamos viver! A canção diz ainda que “cada erro é uma aula, cada aula é um prazer, só duvidando de tudo é que poderemos crescer”. Não por acaso, ela canta ainda que “quer seguir pelo caminho de São Tomé, pondo o dedo na ferida para ver como a ferida é”, para concluir “eu prefiro andar no caminho de São Tomé; o erro é a minha escola; a dúvida a minha fé”.


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