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O que muda nestes quatro anos


Há quem veja na presidência de JL uma mudança de paradigma, que é como quem diz, uma nova conjugação dos elementos que caracterizaram até aqui o nosso sistema de governo. Ora, é preciso não confundir o paradigma com o estilo de governação. Uma alteração de paradigma foi a que ocorreu em 1992 quando a Lei Constitucional alterou o sistema monopartidário e de economia dirigida passando a vigorar um sistema multipartidário e de economia de mercado. Também há quem tenha vislumbrado uma segunda alteração de paradigma a partir da Constituição de 2010 quando se concentrou na esfera do Presidente da República todo o poder executivo até aí repartido entre dois distintos órgãos de soberania: o Presidente da República e o Governo. Claro que desta concentração de poderes resultaram algumas consequências constitucionais por pouca relevância que elas tenham tido na nossa vivência nacional. Enquanto o Governo respondia também perante a Assembleia Nacional, o mesmo não acontece com o Presidente da República que apenas se dirige ao parlamento através de mensagens e pouco mais. O Tribunal Supremo, nas vestes de Tribunal Constitucional foi chamado ainda na vigência da Lei Constitucional a resolver polémica questão de saber quem chefiava o Governo, se o Primeiro Ministro (previsto na Lei Constitucional) ou o Presidente da República. O Acórdão de 21 de Dezembro de 1998 veio esclarecer que as competências do Presidente da República lhe atribuíam a proeminência na cadeia de comando do poder executivo, o poder de direcção e a chefia do Governo. Nesta visão constitucional, o Primeiro Ministro, não seria mais do que um mero coadjutor do Presidente da República. Neste mesmo Acórdão, o Tribunal Supremo, foi mais longe e caracterizou o sistema político angolano pela combinação de quatro características: 1.ª - a sua natureza semi-presidencialista, que segundo os tratadistas enformaria o preceituado na nossa Lei Constitucional. 2.ª - a estabilidade de uma maioria parlamentar assegurando desde 1992 o seu apoio tanto ao Governo como ao Presidente da República (sendo o Presidente da República também o presidente do partido com a maioria). 3.ª - a coincidência entre a orientação política desta maioria parlamentar e a orientação política do Presidente da República, estabelecendo-se, assim, a estreita união entre o legislativo e o executivo. 4.ª - o facto de o Presidente ser o chefe da maioria, escolher e nomear o Primeiro Ministro, presidir ao Conselho de Ministros, faz com que o Primeiro Ministro fosse uma espécie de estado maior do Presidente.

A partir de 2010, a nova Constituição, com base na qual foi eleito em 2012 o Presidente José Eduardo dos Santos, o que é que realmente mudou, se alguma coisa, de facto se alterou? O Presidente da República passou a ser o único titular do poder executivo, concentrando nele todos os poderes e competências anteriormente definidas e distribuídas pelo Presidente e pelo Governo. Bem vistas as coisas, nada mudou, realmente, na medida em que o Presidente da República era já o chefe do Governo e não ser possível o funcionamento do Governo sem o seu acordo, como expressivamente o reconheceu o Tribunal Supremo em 1998: “Mas, longe dos poderes atribuídos, serem do Presidente ou serem do Governo, não podem ser exercidos sem o acordo de um e de outro, esta é a realidade comum.” O que a Constituição de 2010 veio colocar em letra de fôrma era, afinal, o que de facto já acontecia até aí: que os ministros são órgãos auxiliares do Presidente, bem como essa é a qualificação que passa a ser conferida ao Conselho de Ministros (artigo 134.º da Constituição). Por essa razão, os ministros apenas respondem politicamente perante o Presidente da República (artigo 139.º da Constituição). No futuro, a sua anunciada ida ao Parlamento para esclarecimentos e explicações não decorre de nenhum mandato da Constituição mas de um simples instrutivo do Presidente da República. Por isso, a Constituição de 2010 não marca uma verdadeira mudança do paradigma vigente desde 1992, até porque é o mesmo Presidente da República de 1992 que é eleito em 2012. Se a mudança de Presidente da República não implica, por si só, a mudança de paradigma político, é difícil imaginar um diferente paradigma sem um novo Presidente.

A pergunta que finalmente se impõe é o que pode mudar agora com o mandato do actual Presidente da República? Voltando à constelação de elementos que o Tribunal Supremo identificou para caracterizar o nosso sistema político, constatamos que na prática todos eles persistem: 1.º - Os poderes presidenciais são exactamente os mesmos que os exercidos durante o mandato do anterior Presidente da República. 2.º - O Presidente tem a garantia de uma maioria estável até ao fim do seu mandato. 3.º - A orientação política do Presidente da República coincide absolutamente com a orientação política da maioria parlamentar. 4.º - Mais do que nunca os ministros de Estado e os demais ministros constituem aquilo que por analogia se pode considerar o seu “estado maior”, estando todos eles numa perfeita relação de subordinação ao Presidente e só a ele. É certo que agora já não há dúvidas quanto à natureza presidencialista do sistema político, ainda que, tal como rezam os trabalhos preparatórios da Constituição os seus proponentes se tenham empenhado numa caracterização presidencialista parlamentar. A este propósito, o que pode dizer-se, é que esta Constituição tem potencialidades para albergar um regime político com mais importância parlamentar, bastando, para tanto, que em futuras eleições gerais seja eleito um Presidente da República sem uma maioria na Assembleia Nacional. Não é porém esse o caso nos próximos anos. Já a outra regra, presentemente a conhecer uma excepção, de ser o Presidente da República o presidente do partido político com a maioria na Assembleia Nacional, essas circunstância não se afigura suficiente, nem de perto nem de longe, para alterar o paradigma do sistema político angolano. Desde, é claro, que a orientação política do Presidente da República continue a coincidir com a orientação política da maioria, o que ninguém duvida continuará a suceder. O próprio facto, porém, de ser tão transversalmente desejável o regresso à coincidência presidencial, é outro sinal claro de que se mantém integralmente o paradigma do regime que vigora desde 1992.

Outra coisa, bem diferente, é o estilo da governação que pode imprimir mais proximidade aos cidadãos, maior exigência e rigor na formulação das prioridades e de objectivos concretos. O que o povo espera é que os seus problemas sejam resolvidos, que os dividendos da paz e dos rendimentos do Estado sejam melhor distribuídos, e agora nestes quatro anos sejam dados nomes e números a todas essas promessas.

Publicado no VANGUARDA de 16 de Fevereiro de 2018

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