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Conselho ou consequência?

  • Onofre Santos
  • 23 de fev. de 2018
  • 4 min de leitura

Quem nunca jogou o jogo da verdade ou consequência? Alguém nos interpela repetindo o nome do jogo e temos de optar por uma ou por outra das alternativas. Se escolhemos a verdade temos que responder exactamente o que sabemos ou pensamos. Se optamos pela consequência devemos aceitar sem titubeações o desafio que nos for imposto. Rapazes e raparigas do meu tempo deram o seu primeiro beijo, pelo menos o primeiro à sua amada secreta, cumprindo o repto que lhe foi determinado. É um jogo destinado a entreter, a matar o tédio, por conseguinte, é suposto ser divertido. E útil, pois as respostas que sucessivamente vão sendo dadas à volta de uma mesa permitem conhecer a outra luz pessoas com quem falamos todos os dias ou lemos o que escrevem (sobretudo hoje no Face Book). O grau de dificuldade das respostas, sejam elas a dizer a verdade ou a cumprir uma consequente obrigação pode variar e, como acontece em todos os jogos, há uma tendência para o agravamento dos níveis de complexidade à medida que o jogo se vai desenvolvendo.

Algo de parecido pode acontecer no renovado Conselho da República, um órgão constitucional concebido para responder a perguntas difíceis ou sugerir desafios complicados. Ao contrário do Conselho de Ministros que é um órgão auxiliar do Presidente da República na formulação da política geral do País e da Administração Pública (artigo 134.º da Constituição) e do recém-constituído Conselho da Governação Local, órgão colegial auxiliar do Presidente da República para a formulação e acompanhamento da execução das políticas de governação da Administração do Estado a nível local (artigo 3.º do Decreto Presidencial n.º 36/18 de 9 de Fevereiro), o Conselho da República, embora seja também um órgão auxiliar, é de exclusiva natureza consultiva do Chefe do Estado (artigo 135.º da Constituição). Por isso, ao contrário do que sucede no Conselho de Ministros, e do Conselho de Governação Local, dele fazem parte não só os Presidentes dos partidos políticos e coligações representados na Assembleia Nacional, como por muito louvável iniciativa do Presidente da República foi estendido o tapete vermelho que leva até ao Conselho da República a personalidades da sociedade civil bem como a algumas autoridades religiosas e tradicionais. Não tendo os membros do Conselho da República, ao contrário dos Ministros, qualquer responsabilidade na formulação das políticas nacionais que, por definição, são as políticas do partido maioritário, cabe, todavia, aos Conselheiros, contribuir para a modelação dessas políticas, quer quanto ao seu conteúdo quer quanto à sua oportunidade, ao responder às interrogações que lhes sejam colocadas pelo Chefe do Estado

Com efeito, ainda que não seja um órgão de consulta obrigatória, o Conselho da República apresenta-se, pela heterogeneidade da sua composição, como um espaço único de busca de uma síntese possível entre o conteúdo de algumas políticas do governo e as declinações defendidas tanto pelos partidos políticos de oposição como por várias organizações da sociedade civil. Só assim antevejo a contribuição útil de alguns notáveis Conselheiros em matéria de política agrícola, educação e saúde, apenas para citar os três vectores relativamente aos quais é manifesta a especial sensibilidade da sociedade civil impaciente por mais emprego e melhores condições de vida. É claro que há perguntas incontornáveis e urgentes quanto à implementação das autarquias locais mas, até lá, até às eleições dos administradores municipais, há uma janela de oportunidade de desenvolvimento que não deve ficar apenas entreaberta.

O Conselho da República, para além da diversidade de origem cívica e política dos seus membros, caracteriza-se também por um certo sigilo das suas discussões, sendo de esperar não apenas a discrição sobre o que é pronunciado na intimidade dum “verdade ou consequência”, como também pelos seus comedidos comunicados finais. O secretismo de que se podem rodear algumas discussões apenas pode favorecer a franqueza das respostas e a audácia dos desafios a enfrentar. Ainda é cedo, porém, para sabermos se este Conselho da República será o local apropriado para a busca de um entendimento alargado, ao nível do conteúdo e do calendário de implementação das políticas, o que, por definição, não é considerado necessário num monopartidário Conselho de Ministros.

A força motriz que impulsiona cada um dos Conselhos, é, no entanto, uma só a e mesma pessoa, o Presidente da República que, à partida tem de assegurar o cumprimento do programa de governo do partido da maioria que o elegeu, mas também, à chegada da sua viagem presidencial ao fim dos cinco anos do seu mandato, garantir o cumprimento das expectativas criadas pela sua eleição e pelas suas promessas eleitorais.

O Conselho, porém, está aí, não é um órgão de soberania mas é um órgão com dignidade constitucional. Pode ser tão criativo e versátil quanto o deseje e promova o Presidente da República e assim correspondam os novos Conselheiros. Com absoluta verdade e drásticas consequências.

Há sempre o ditado que diz que o que os olhos não veem, o coração não sente. Os Conselheiros tem essa ocasião única de serem outros olhos que levem a mensagem directamente para o coração da Nação. Não podem é transformar o Conselho numa máquina do tempo para aterrar num futuro qualquer em que seja tarde de mais para se fazer o que deve ser feito AGORA.

Publicado no VANGUARDA de 23 de Fevereiro de 2018

 
 
 

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