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A lição do velho caçador


Caminhavam na penumbra azulada do amanhecer e a anhara imensa mais parecia o fundo de um oceano perdido. O jovem príncipe mal se lembrava do homem curvado à sua frente que voltava para ele um olhar vigilante. Já não era o mesmo que conhecera acompanhando o pai nas suas gloriosas caçadas.

Estudante na cidade grande, essas recordações já lhe pareciam longínquas e desajustadas à actual realidade. Estava-lhe, porém reservada uma última lição. O príncipe subiria em breve ao trono dos Ombalas e iria aprender como a vida de um rei se pode parecer com uma caçada. “É tudo uma questão de saber fazer uma escolha no momento certo”.

O jovem príncipe meditava nas palavras do velho caçador enquanto o seguia por chanas e pântanos, vendo manadas que fugiam logo que os pressentiam, fosse pela vista, fosse pelo cheiro do perigo levado pelo vento. Uma palanca vermelha pastando solitariamente fez disparar o coração do jovem príncipe na expectativa de uma instantânea gratificação. Contrariado, percebeu o silencioso gesto de negação do velho caçador, a sua mão e lança sem revelar qualquer intenção de atacar. “Já não são muitas no nosso território... as razias a tiros de espingarda dos caçadores furtivos deixaram-na à beira da extinção... roubando-nos o orgulho e a inspiração”.

Algumas horas depois, o sol já começara a declinar no horizonte. O príncipe estava desalentado: “Andamos para trás e para a frente e o dia aproxima-se do seu fim... não será fácil levar para casa esse troféu”. “Olha ali aquele antílope... avistei-o logo de manhã... também ele tem andado para trás e para a frente... à procura de água e capim fresco”. “Com uma espingarda seria mais fácil... com essa lança não sei”. O velho caçador sorriu, aspirou o vento e fez um sinal ao seu jovem companheiro para que o seguisse. Com cuidado redobrado foram sorrateiramente reduzindo a distância que os separava do antílope que estava imóvel, vigiando o espaço circundante antes de se dedicar à última refeição do dia. Tinha de se precaver contra algum caçador que lhe pudesse surgir repentinamente logo que baixasse a guarda para tocar o capim verde aos seus pés. Cada vez que baixava a cabeça para comer, o velho caçador aproximava-se mais uns centímetros, quase a rastejar, seguido de perto pelo jovem príncipe. Ainda a mastigar, o antílope levantava a cabeça e reiniciava a sua inspeção voltado para o lado do perigo, contra o qual soprava o vento. Do lado oposto sentia-se protegido pelo seu olfato.

Com cautela instintiva o impala varria a chana com o seu olhar, movendo a cabeça de um lado para outro à altura do horizonte antes de abocanhar mais uma porção de capim. Chegou, porém, o instante em que o seu olhar se cruzou com o Sol poisando na chana e, forçosamente, pestanejou, cerrando os olhos por algumas fracções de segundo. Por isso, não viu, nem podia ver, o caçador emergir da chana e a lança vigorosamente disparada, que se lhe cravou no pescoço.

Com tempo e paciência, o príncipe aprendeu como é fatal deixarmo-nos cegar, mesmo que por um simples instante, por tudo o que brilha.


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