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Um telegrama para si!


O senhor nasceu pobre mas vai morrer rico! Rico, como? A velha vidente deixou de fitar as linhas vincadas da palma da mão de Celestino Silva levantando para ele os seus olhos vidrados em que perpassava um sorriso trocista que também poderia ser de comiseração. Muito, muito rico... o senhor vai morrer riquíssimo. Desde aí, não passou um dia sem Celestino lembrar essa promessa que iria mudar a sua vida por completo.

Celestino viera radicar-se nos férteis solos do Uíge onde as plantações de café geravam fortunas, bastava ter fé no destino e mãos de cavador. Passaram-se anos, uma eternidade para muitos, mas para Celestino vividos dia a dia com a certeza que nem todas as asperezas da solidão, das intempéries ou do calor tórrido se poderiam interpor entre ele e o pote de ouro que o aguardava no fim do imenso arco-íris que lhe tarjava o céu ao fim de cada tempestade. Demarcara a terra, desmatara hectares de catana na mão cujos sulcos contemplava no descanso do final de cada tarde, como quem contempla o mapa de um tesouro escondido.

O café colhido, escolhido, por fim ensacado e pronto para a exportação, o seu tesouro surgia finalmente mas o coração do homem pobre em vias de confirmação da prodigiosa previsão começava a dar sinal dos primeiros abalos. O médico em Luanda recomendara mais sossego, não trabalhe tanto homem, o café está aí, nos armazéns, você já é um homem rico. Não, doutor, isso só quando ele lá chegar, à América. E os dias e as noites da cidade começaram a correr com uma ansiedade que destroçava o homem que era tão feliz no sertão contemplando o misterioso crescimento dos cafeeiros e o mágico dourar dos seus bagos. De rompante, notícias da guerra em mares distantes caíram como o desabar de uma montanha de incertezas sobre a cabeça de Celestino da Silva que resistira a tanto e parecia agora soçobrar de aflição. Logo numa altura em que tudo estava a postos para o embarque, preenchidas todas as declarações com as qualificações, quantidades, sei lá que mais, era o medo dos bloqueios em mar alto, os torpedos que metiam a pique as embarcações inimigas e quanto mais carregadas melhor. Vira o navio partir e ficara no cais a segui-lo com o coração mais apertado e retalhado do que um grão de café. Foram semanas no modesto escritório, não muito longe do largo dos correios, defronte do mapa-múndi imaginando a rota do navio que nunca mais chegava ao seu destino. Celestino tinha combinado com Chiquinho, o miúdo azougado e sempre pronto para todos os recados que lhe trouxesse o primeiro telegrama que chegasse aos correios para ele. Tinha-lhe mostrado a nota gorda com que o regalaria. Parecia ver o Chiquinho em todos os miúdos que se esgueiravam em corrida pela rua. Mas agora era, sim, era o Chiquinho que vinha veloz atravessando o largo, agitando um papel na mão, era o telegrama sim, como não? O navio tinha chegado a bom porto... estava rico, riquíssimo, corre também ele acenando delirantemente feliz para o garoto sorridente que lhe estende o papelinho amarelo e lhe dá a certeza de que tudo valeu a pena, até aquela dor imensa, maldito coração... agora poderá morrer descansado!

Amanhã na RTP África MAR de LETRAS às 21:30

Amanhã, quarta-feira 11 de Setembro na RTP África, às 21:30

no MAR DE LETRAS com Mário Carneiro


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